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Quando vão se civilizar as elites do poder?

Leia o artigo do deputado federal por São Paulo, professor e jurista Luiz Flávio Gomes

Por Redação
23/02/2019 • 08h17
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O PSL, que já começa a sofrer as dores do crescimento, acaba de ser acusado de “candidaturas laranjas” (falsas) e o presidente do partido teria destinado dinheiro para a empresa de um filho. “Filho na folha” (folha de pagamento do Estado, claro). Essa é uma clássica forma de filhotismo, nepotismo, familhismo. O filho não entra na “folha” pelos seus méritos, por concurso, sim, por indicação, por protecionismo.

Em virtude do personalismo das elites dominantes e governantes nasceu no Brasil uma forma de dominação fundada na tradição, que se chama patriarcalismo. Max Weber descreveu tudo isso no princípio do século 20.

Do patriarcalismo emergiu o cordialismo (tratamento privilegiado aos membros da família, do partido, às pessoas com vínculos de amizade). A desgraça do cordialismo até hoje persegue as elites do poder.
No patriarcalismo o chefe (o pater familiae) manda e desmanda em todos os membros do seu clã, nos achegados (agregados) e nos seus espaços de interferência.

Foi dessa forma que os espaços públicos no Brasil foram sendo ocupados pelas elites do poder, que levaram para dentro da administração pública o jeito familiar de governar.

A confusão entre a coisa pública e o mundo privado é mais do que evidente. Governa-se sem qualquer preocupação com regras abstratas, gerais e impessoais. Aliás, o cordialista ou familista odeia observar regras impessoais.

O “homem cordial” (homem ou mulher, claro) caracteriza-se, assim, pela emotividade sobreposta à racionalidade (fala e age com o coração, sob impulso, sob o império do amiguismo, do filhotismo, do nepotismo, não da razão).

A sociabilidade do “homem cordial” é inteiramente familiar, ou seja, seus atos, mesmo quando no exercício da função pública, continuam expressando o que vem dos seus vínculos mais estreitos, das suas relações mais próximas, mais íntimas.

Esse é um jeito anticivilizado de governar. Sem romper esse vínculo e vício privatístico (o Estado ou o partido existiria para ser gerido como se fosse uma grande família) o Brasil não vai se corrigir nunca. Nas eleições de 2018 o povo defenestrou alguns candidatos que seriam corruptos. Agora tem que prestar atenção naqueles que governam ou gerenciam partidos como se fosse uma grande família.

A mácula está presente em setores do agente público assim como em parcelas dos agentes do mercado que se relacionam com o Estado. Todo o mundo bandido ou privilegiado que gira em torno do lado obscuro do Estado (que tem o Estado como pivô) só pensa nos interesses particulares.

Um curso de desapego familista (amiguista, nepotista, partidista) deveria ser obrigatório no Brasil antes da posse em qualquer cargo público ou qualquer contrato com o poder público. Seria um antídoto para se evitar a massa de barões-ladrões que se articulam na esfera estatal.

Como bem disse Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), “É claro que um amor humano sujeito à asfixia e à morte fora de seu círculo restrito [de amizades, de companheirismo eleitoral, de parentesco, de vizinhança] não pode servir de cimento a nenhuma organização humana concebida em escala mais ampla”.

Esse amor “cordial” [deferência aos membros da sua família ou da “famiglia”, do seu grupo, da sua tribo], incompatível com a civilidade coletiva, pode, no entanto, muito bem servir de cimento para a construção de organizações criminosas.

É dessa maneira que os crimes organizados foram se formando em torno do Estado. Milhares de células foram espalhadas pelo País todo (máfia das propinas, máfia dos privilégios, máfia das licitações, dos remédios, da merenda, dos “fiscais”, do “rachid” – apropriação de dinheiro dos funcionários – e por aí vai).

Não é de hoje que os partidos brasileiros, ressalvadas exceções honrosas, fazem uso indevido do Fundo Partidário. Como o dinheiro vai diretamente para os partidos, não para os candidatos que ele mesmo aprovou, a chance de desvio é enorme.

Eu particularmente penso que é inapropriado o uso de dinheiro público para financiamento de partidos ou campanhas, salvo o espaço publicitário igualitário entre os candidatos (TV, rádios e internet), para exposição das suas ideias. Isso fortalece a ideia de democracia.

Nós do movimento Quero Um Brasil Ético, que temos o “erga omnes” como bandeira, fizemos duras críticas às formas erradas de governanças do passado. Agora temos que continuar nossa luta pela ética e pelo império da lei contra todos. “Erga omnes” (contra todos).


*É deputado federal por São Paulo, professor e jurista.

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