RÁDIOS
Campo Grande, 24 de abril

A tecnologia, as crises e a pandemia mudam o Direito no 'novo normal'

Especialista analisa as alteração na prática do Direito e analisa as transformações na Justiça e na sociedade

Por Beatriz Magalhães
28/06/2020 • 07h00
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O Brasil é o país com o maior número de advogados do mundo. Esse fato por si só já representa um desafio para os profissionais. Mas o mercado do Direito ainda tem outros fatores como a digitalização dos processos e a possibilidade do atendimento à distância, as crises, aumentando a demanda por processos, e as mudanças que ainda estão por vir a partir do “novo normal” que deve se estabelecer depois da pandemia. O advogado Carlos Marques , com larga experiência profissional, analisa todos esses aspectos a partir da perspectiva dos profissionais do direito e da participação deles na sociedade. Durante entrevista com o jornalista Ginez Cesar, na CBN Campo Grande, Carlos Marques avalia as mudanças apresentadas no Direito com a chegada da pandemia do novo Coronavírus, e quais os impactos dessas mudanças no exercício da profissão. Confira os principais pontos abordados:

Falando um pouco sobre a profissão e sobre perspectiva do direito na sociedade, essa pandemia trouxe mais trabalho para os advogados, no ponto de vista das mudanças e medidas adotadas. Como está reagindo a sociedade diante de tantas mudanças, novas regras, revisão de contratos, por exemplo, a demanda cresceu?

Sem dúvida alguma. Penso que nós estamos na grande revolução de toda a sociedade e também obviamente do direito, isso é evidente. As mudanças são profundas e radicais e vieram para ficar. O que temos verificado e atendido de pessoas tentando fazer revisão de contrato, mudar sua situação, mudança de relação do filho com a escola, do pai com o filho, pensão alimentícia. Em todos os campos estamos vendo alguém se movimentando para tentar fazer uma revisão dessa relação. Obvio que muito por força da questão econômica, mas não só por isso, e sim pela nova realidade e expectativa de vida. Além da pandemia, uma crise sanitária, tem também a crise econômica que é profunda, e que tudo indica, vamos demorar a sair dela.

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Sobre esse despertar do ponto de vista de as pessoas, até motivadas pela questão econômica, de buscar o advogado, buscar os direitos. Quais os segmentos que estão exigindo uma atenção especial neste momento?

Sobretudo na relação de consumo e na relação de locação. Praticamente todos os comerciantes que alugam imóveis estão buscando uma relação disso. Eu tenho atendido vários empresários que querem até mesmo fechar. Muitos recebem como resposta do dono do imóvel, uma multa para quebra de contrato, ou necessidade de reforma no prédio antes de o inquilino sair, mas o comerciante está fechando porque quebrou. Como isso será feito? É nisso que o advogado tem atuado, tentando fazer primeiro uma conciliação, mas se não for possível consigna a chave e o débito é discutido mais à frente.

O que não pode é perpetuar a dívida, dar sequência a essa situação e continuar se endividando. Os advogados têm sido muito procurados agora por pais com filhos na escola, porque acima de certa a idade existe a obrigação de estudar. Analisando a seguinte situação: meu filho está em casa, eu não consigo trabalhar direito, ensinar meu filho direito, eu posso tira-lo da escola? Aí vem aquela história, de obrigatoriedade do ensino, se você tirar a criança da escola o Ministério Público pode inclusive tomar alguma providência contra os pais. Veja a complexidade deste assunto. 

Depois tem o problema da escola. Se a maioria dos alunos romperem o contrato, cancelarem a matrícula, pararem de pagar, como a escola se mantém? Dessa forma a escola precisa revisar o contrato de locação do prédio em que ela está, e assim vai criando uma cadeia de consequências. 

Doutor, durante este período temos até relatos de pessoas que estão produzindo mais em casa do que no escritório. Qual o próximo patamar do profissional do direito nisso tudo?

Primeiro que o direito já vinha mudando pelo grande volume de advogados que o Brasil produz, é o país com o maior número de advogados do mundo. Então isso por si só faz o mercado se modificar, é a lei da oferta e procura. 
Com o grande volume de profissionais, os escritórios começaram a fazer subcontratações, ou seja, contrata o advogado por escala. Com a digitalização dos processos, que já está quase 100% em todo o país, isso piorou ao meu ver. Porque, como exemplo, há uma empresa que tem base em todo o país, contrata um grande escritório em São Paulo, e ele faz tudo com a digitalização, e contrata um advogado por um valor bem baixo para fazer uma audiência, terceirizando a audiência, Então isso também modificou bastante o mercado de trabalho, e com ganhou ainda mais força om a pandemia, porque as sessões presenciais e audiências estão suspensas. Os julgamentos começaram agora a serem virtuais e isso muda tudo totalmente, porque o escritório de São Paulo pode fazer a audiência virtual. 

Então veja como isso também vai modificar muito a atuação do advogado. E eu acho que mesmo saindo da pandemia há uma tendência do judiciário querer manter essas sessões e audiências virtuais, por questões econômicas. 
Agora, eu tenho percebido nos casos em que já tivemos o julgamento virtual, nos casos em que atuamos, é preciso enviar o memorial por e-mail. Será que o desembargador e outras pessoas que precisam acompanhar esse material tem acesso real a esses documentos? Ficamos extremamente inseguros e não podemos esquecer que Direito é também relação humana. As partes de um processo são pessoas. 

Na sessão virtual, você tem uma tela onde fica aparecendo vários rostos, você vai fazer a sustentação oral, um está levantando, o outro se sentando, desviando totalmente o foco do advogado que está colocando sua sustentação oral. Então temos sentido bastante dificuldade nisso.

Para mim, tem tido muito prejuízo ao direito de defesa. No começo veja como os tribunais agem nessa questão da pandemia. É um direito do réu fazer julgamento presencial, até na pandemia. Então te perguntam, quer julgamento online ou presencial? Eu quero presencial. Então até o direito sagrado do réu de estar presente ao julgamento é retirado com base na pandemia. Durante a sustentação oral presencial tudo é levado em consideração, como a voz, o posicionamento, o olhar e tudo isso fica minimizado quando estamos a distância, certo?

Então o Direito não será o mesmo?

Sem dúvida alguma. Para mim não só o Direito como também as relações humanas, relações com o comércio. Podemos perceber que está todo mundo tentando se reorganizar.  O volume de desemprego será gigante por exemplo. Por força disso tudo, é evidente que com a dificuldade financeira começam a aparecer os problemas que repercutem necessariamente no direito, então tem sido volumoso o número de pessoas procurando os advogados e isso ao meu ver, veio para ficar. 

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