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Campo Grande, 18 de abril

'A violência doméstica é um problema que afeta as mulheres no seu dia a dia'

Juíza Liliana de Oliveira Monteiro coordena várias ações de prevenção à violência contra mulher em Mato Grosso do Sul

Por Lucas Mamédio
27/01/2018 • 09h32
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Mato Grosso do Sul apresentou queda de 21% nos casos de feminicídio de 2016 (34 casos) para 2017 (27 casos), conforme dados da Secretaria Estadual de Segurança e Justiça. Mesmo com a diminuição, dois assassinatos de mulheres pelos ex-cônjuges logo no começo de 2018 trouxeram o assunto à tona. O primeiro caso aconteceu em Três Lagoas em um domingo, dia 14 de janeiro, quando Halley Coimbra Ribeiro, de 39 anos, foi morta a tiros dentro de casa pelo ex-marido, Renato Bastos Ottoni. O crime foi cometido em frente a filha do casal. Renato, ao que tudo indica, cometeu suicídio em seguida. O segundo caso aconteceu em Campo Grande nesta segunda-feira, dia 22. Katiusce Arguelho dos santos, de 31 anos, foi encontrada morta pelos filhos na casa do ex-namorado, um homem de 29 anos. Segundo a perícia, Katiusce tinha 18 perfurações de faca pelo corpo. O suspeito ainda não foi encontrado. 

Estes dois casos de feminicídio levantaram questões, como: a diminuição teve um motivo específico ou foi ocasional? A sociedade ainda é machista? Essa sociedade está melhorando? E a lei do feminicídio é severa o suficiente?

A juíza auxiliar da Coordenadoria da Mulher de Mato Grosso do Sul, Liliana de Oliveira Monteiro, fala sobre feminicídio aponta possíveis causas, reflexos na sociedade e a visão da lei sobre o crime.

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Jornal do Povo – A situação de Mato Grosso do Sul é, na sua avaliação, preocupante em relação ao índice de feminicídio?

Liliana de Oliveira Monteiro – Sim, tanto aqui no Estado quanto no Brasil, a violência doméstica é um problema que afeta as mulheres no dia a dia. São inúmeros os casos  que culminam não só em assassinatos, mas em agressões, ameaças, por questões de o homem se impor sobre a questão feminina, o conhecido machismo.

JP – O Brasil ainda é um país machista?

Liliana – Com certeza. Isso é um problema não só do Brasil, mas global, estrutural e histórico em que a mulher tem um papel subordinado. E quando isso não é “respeitado” ocorre a prevalência da masculinidade sobre a mulher.

JP – Especificamente, o que caracteriza o crime de feminicídio? 

Liliana – O feminicídio é o assassinato da mulher pela condição de ser mulher. O artigo 121 (do código penal), parágrafo 2°, prevê uma condição de qualificação da morte. Ele “fala” que o assassinato da mulher pela de condição do sexo feminino ou no contexto da violência doméstica configura feminicídio.

JP - Houve um caso em Campo Grande, no ano passado, com assassinato de Mayara Amaral, de 27 anos, morta por um homem com quem mantinha relação amorosa. Como também ocorreu roubo de objetos, se discutiu muito se a tipificação era feminicídio ou latrocínio, por conta da pena. Gostaria que explicasse um pouco dessa questão da pena pelo feminicídio.

Liliana – No caso do feminicídio, como se trata de um homicídio qualificado, ele tem uma pena de 12 à 30 anos. Esse caso especificamente, havia a possibilidade de ser latrocínio, que é a pessoa roubar e depois matar a vítima e, como o roubo é um crime contra patrimônio e homicídio contra a vida, existe a elevação da pena. Mas há uma linha muito tênue nesse caso entre feminicídio e latrocínio, por conta até da relação entre a vítima e o criminoso.

JP – Como funcionam as campanhas da Coordenadoria da Mulher, é difícil ajudar a combater esses crimes que acontecem dentro da casa das pessoas?

Liliana – O TJMS tem além dessa questão judicial de julgar e punir, ele tem um trabalho forte de educação e prevenção. Então, por meio da Coordenadoria, são desenvolvidos programas que visam além de divulgar a causa da violência doméstica, educar tanto a vítima quanto o possível agressor.  Podemos citar o programa “Mãe Empenhadas”, que capacita os profissionais da beleza, que têm contato mais próximos com as mulheres, e podem identificar possíveis casos de abusos e violência doméstica.

JP - Houve uma diminuição de casos de feminicídio em Mato Grosso do Sul na comparação entre 2016 e 2017. Mas, neste ano há houve dois casos muito simbólicos do que esse é tipo de violência: um em Três Lagoas, onde uma mulher foi morta a tiros pelo ex-marido, e outro, nesta semana, em Campo Grande, onde o ex-namorado matou a facadas outra mulher. Percebe-se nesses casos que laços que já deveriam ter acabado são motivo dos crimes. Ao que se deve esse comportamento, então, na ótica da Justiça e com sua experiência em casos de crimes?

Liliana – O crime do feminicídio é a forma mais violenta de agressão contra mulher e, normalmente, ele vem de um histórico de violência. Começa, às vezes, com uma simples ameaça, passa para a violência, e quando a mulher tenta romper esse ciclo e denuncia, o parceiro não aceita. Então a maior causa do feminicídio é a não aceitação por parte do homem do fim do relacionamento. E o crime acontece mesmo com medidas protetivas. Vale salientar também que mesmo com a implementação da “Lei Maria da Penha”, ainda há um caminho a percorrer. E nesse percurso encontramos falhas, e não só falhas judiciais, mas de políticas de estado, dos governos, para que as leis consigam ser cumpridas. 

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