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Por ela, aceitamos morrer

Por Jacir Venturi
27/06/2020 • 07h36
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Em 1832, Évariste Galois, atualmente reconhecido como um dos mais criativos matemáticos, envolveu-se perdidamente com a noiva de um atirador de pistola, bom de gatilho, que o desafiou a um duelo no raiar do dia seguinte, nas cercanias de Paris. Sabedor de que suas chances de sobrevida seriam diminutas, Galois passou a noite escrevendo cerca de 60 páginas de novas teorias matemáticas. Antes do amanhecer, o nosso incauto matemático escolheu uma de suas pistolas, dirigiu-se ao local adrede combinado. Seguindo o ritual da época, os dois oponentes distanciaram-se 25m e, ao se virarem, Galois recebeu o balaço fatal. Em nome da honra, uma grande perda para a ciência, pois Galois tinha apenas 20 anos de idade.

Semelhantemente, outro relato histórico é de um ateniense que foi até o chefe persa oferecendo a própria vida para pedir clemência a seus compatriotas presos. Quando quiseram forçá-lo a ajoelhar-se diante do chefe sátrapa, repeliu com altivez: “vim dar minha vida, não minha honra”.

Se no passado já fora relativamente comum, aceito e a até valorizado o sacrifício extremo pela honra,  homens e mulheres – palestrou Luc Ferry, filósofo francês e autor de obras bem vendidas – também deixaram muitas vezes a família em segundo plano, para arriscarem suas vidas por uma das três grandes causas: Deus, pátria ou ideologia.

Todavia, gigantescas transformações aconteceram, especialmente nos últimos 50 anos, e não apenas em relação às tecnologias, mas também aos costumes. Se de um lado o modelo tradicional e hierárquico – pai, mãe e filhos, correspondendo a 61% dos lares segundo o último Censo do IBGE em 2010 – é apenas uma das alternativas de construção familiar, mais do que nunca se valorizam os vínculos afetivos entre as pessoas que coabitam. Em uma palestra em Curitiba, Ferry foi enfático: “A família é a única entidade realmente sagrada na sociedade moderna, aquela pela qual todos nós aceitaríamos morrer, se preciso”.

A família, em sua concepção contemporânea, continua sendo a base da ordem social e, segundo pesquisas internacionais, é o principal ingrediente de felicidade quando se confronta com poder, dinheiro, fama, política, ideologias, religião e honra. E vale o oposto, pois nada mais infelicita o ser humano do que pertencer a uma família desestruturada e uma convivência desarmoniosa ou conflituosa. Na vida, algumas negligências são até admissíveis, menos em relação à família, cujas consequências são, por vezes, irreparáveis. A vida profissional, apesar de suas elevadas exigências, pode muito bem ser ajustada a uma vida familiar equilibrada.

Em qualquer uma de suas configurações, à família é indispensável a presença do vínculo afetivo, da cooperação, do respeito, da solidariedade e de uma escala de valores compartilhada. Coabitar, morar juntos, é viver de fases de êxtases, alegrias, mas também de frustrações. Discordâncias são até salutares, mas uma relação familiar só será vitoriosa na medida do diálogo, da tolerância, das concessões mútuas. As maiores destruidoras de afetos em uma família são a indiferença e a falta de diálogo.

Em uma de suas homilias de Páscoa, o Papa Francisco bem se manifesta ao discorrer que não existe família perfeita, mas sim um grupo de pessoas cheias de defeitos, e complementa: “sem o perdão, a família se torna uma arena de conflitos e um reduto de mágoas. O perdão é vital para a nossa saúde emocional e sobrevivência espiritual. Nós não nascemos onde merecemos, mas onde necessitamos evoluir”. Para Platão, a grandeza do ser humano está na virtude – aretê, em grego – e, como recompensa, é a prática das virtudes que propicia a felicidade genuína. 

*Jacir Venturi é professor e diretor de escolas públicas e privadas por 50 anos, é pai de 3 filhos e avô de 3 netos, membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná e Cidadão Honorário de Curitiba.

 

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