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Onde cantam as seriemas

A terceira edição de Onde cantam as seriemas de Otávio Gonçalves Gomes, foi editada pelo IHGMS na Série Memória Sul-Mato-Grossense(2018)

Por Otávio Gonçalves Gomes
17/11/2018 • 08h06
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As seriemas são aves encontradas nos terrenos secos, campos e serrados do centro-oeste brasileiro. São as seriemas do caboclo, cujo vocábulo tem origem indígena. Seri mais ema quer dizer: ema com crista. Em dias de sol, elas estão presentes nos espigões dos cerrados, nos outeiros junto às casas de morada ou à beira das estradas. Passeiam, às vezes, pelos resfriados das pontas das cabeceiras, andam pelos descampados, guavirais, e descansam nas sombras dos pequizeiros copados e de flores mimosas. São essas paisagens onde vivem e onde cantam as seriemas.

É uma ave veloz, quando fugindo à perseguição do inimigo; a coloração das pernas e do bico é vermelha e as penas pardacentas Tem o pescoço comprido e um topete filiforme na cabeça, daí o nome científico Cariama cristata. Aliás, esse nome cariama se originou de um erro gráfico, quando Macgraves, em seu livro sobre o Brasil, publicou a palavra “cariema” em vez de çariema (com ç) originando o nome cariema. 

O andar da seriema é hirto; quando caminha parece uma donzela elegante, de salto alto, desfilando na passarela arenosa das estradas. Arisca e desconfiada, oculta-se na macega, confundindo-se com o capim e ali se aquieta para iludir os seus perseguidores. Com o pescoço comprido e cabeça para fora, esquadrinha o campo visual em torno e foge protegida pelo capinzal. Vai aparecer muito longe, ludibriando os inimigos, caçadores a pé ou a cavalo.

Alimenta-se de insetos, lagartos, minhocas, pequenos animais, frutas e serpentes. Procede à verdadeira limpeza dos campos, dizimando os ofídios. Quando percebe esse réptil por entre as folhas do mato, de permeio à macega, ela levanta a crista e se inquieta. Fica a observá-la atenta e, em dado momento, salta sobre ele. Com o auxílio das asas em escudo, protegendo-se, e graças ao comprimento das pernas, coloca-se em plano superior e vai batendo com a ossatura das asas, com pancadas rápidas e vigorosas, até atordoar a vítima. Depois com bicadas rígidas Vai espicaçando-a, ou, ainda, dilacera-a com as garras e com o bico, até mata-la. Aí se banqueteia gostosamente. Por causa desse estranho apetite das seriemas, os fazendeiros proíbem a caçada a esse pernalta em suas propriedades.

Nidificam nos galhos não muito altos das árvores. Seus ninhos são construídos de galhos secos, trançados e consolidados no centro com um batume de terra e estrume de animal. Põem em geral dois ovos de cor acinzentada com manchas pardo-sujas. O macho se reveza com a fêmea na época do choco. As seriemas vivem cantando, andam bradando seu clangoroso chamamento, sibilante e penetrante às vezes, tal qual um clarim. Seu canto é plangente e evocativo, ecoa triste pelas campinas. Ouve-se o seu grito-canto a qualquer hora, desde alta madrugada até a noite. É justamente o som altissonante que chama a atenção dos viajores. É capaz de cantar horas a fio.

As seriemas perambulam pelos caminhos sozinhas, às vezes em pequenos grupos. Quando percebem a aproximação de algum veículo, em vez de saírem da pista, correm em frente, sempre em frente. Ela trota firme em passadas largas de pernalta que é, e os passos vão diminuindo com o cansaço.

Depois cambaleante e amolengada, vai trocando pernas cabisbaixa e cauda caída. Corre até não poder mais. Às vezes alça voo no último instante: voa mal. Outras vezes, de tanto correr, cai exausta ao lado da estrada, salvando-se por um triz; ou ainda é alcançada e esmagada pela maldade inqualificável de um motorista apressado, passando as rodas do veículo sobre ela, em alta velocidade.

*A terceira edição de Onde cantam as seriemas¸ de Otávio Gonçalves Gomes,  foi editada pelo IHGMS na Série Memória Sul-Mato-Grossense(2018), com apoio do Fundo de Investimentos Culturais do Estado. O autor do prefácio é o folclorista Luís da Câmara Cascudo.  

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