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Os filmes das sextas eram uma festa no Santa Helena

A população das zonas rurais japonesas tinham programa marcado na data

Por Redação
05/06/2017 • 19h16
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Celso Higa*

A propaganda boca a boca corria solta nas colônias rurais nipônicas no entorno de Campo Grande, a tão esperada sexta-feira chegara: era o dia das sessões de filmes japoneses no Cine Santa Helena. A ansiedade revelava o frisson: “vamos mais cedo, o cinema vai encher, hoje é filme de samurai...” E era assim mesmo, caminhões tinham suas carrocerias lotadas desses espectadores, que moravam nos povoamentos Segredo, Ceroula, Bandeira, Rincão, Córrego da Anta, Pateirinho e outros.

Para quem vivia no perímetro urbano era mais fácil, como num típico programa familiar, jantavam mais cedo e iam para a exibição especial das 20h na Rua Dom Aquino, logo abaixo da Rua 14 de Julho. Algumas pessoas da zona rural traziam suas matulas com onigiri (bolinho de arroz), para comer no recinto. Dependendo do filme em cartaz e dos atores, as filas dobravam o quarteirão chegando até as Casas Pernambucanas.

O extinto cinema, pertencente às Empresas Teatrais Peduti, funcionou onde hoje se localiza as Lojas Marisa. No Brasil, as reminiscências desse entretenimento iniciam-se em Bauru/SP em 1929, com a criação Nippaku Shinema-Sha (Companhia Cinematográfica Nipo-Brasileira), de Masaichi Saito. As exibições de documentários de curtas-metragens mudos eram apresentadas nas lavouras de colonos, cortadas pelas logísticas das estradas de ferro Noroeste, Mogiana, Paulista e Sorocabana. As sessões ocorriam em galpões de madeira, tendo um lençol branco como tela e as imagens amenizavam as saudades dos imigrantes.

Nesses rincões onde inexistia energia elétrica, as projeções eram improvisadas: a luz era gerada pelo próprio caminhão dos empresários (pé de bode), cujo motor era ligada a uma correia atrelada à roda traseira suspensa no ar e a rotação acoplada ao sistema gerador/projetor. Correlato há esses tempos, em 2007. Às vésperas do centenário da imigração japonesa no Brasil (2008), a cineasta paulista Olga Futemma apresentou seu curta-metragem “Chá verde e arroz”, que revela as dificuldades enfrentadas pelos projecionistas ambulantes no meio rural, carregando equipamentos pesados na bagagem.

Em 1933, vislumbrando novos horizontes a Nippaku transfere suas atividades para a capital São Paulo. Com a demanda em alta, surgiu em 1935 a Nippon Eigo Kogyo, de Kimiyasu Hirata e ambas foram responsáveis pela difusão de grande parte dos filmes importados no país antes da Segunda Guerra Mundial. De 1942 a 1945, o Brasil corta suas relações diplomáticas com o Japão, proibindo as concentrações dos asiáticos (cinema, por exemplo), rádios e imóveis confiscados, ficando os imigrantes e seus descendentes sob um estado de vigilância. A normalidade só voltou em 1953, com o reinício da imigração japonesa no Brasil e, no bojo, surgem as películas que estiveram represadas no período bélico. As obras começam a ganhar visibilidade e premiações na Europa, mostrando qualidade e não somente exotismo aos curiosos cinéfilos.

Surgem os premiados jidaigeki (filmes de época ou samurais) “Rashomon”, de Akira Kurosawa; “Portal do Inferno”, de Teinosuke Kinugasa No Bairro da Liberdade,onde se concentrava expressiva população japonesa, só para dimensionar a clientela, havia quatro cinemas que representavam as grandes produtoras japonesas: cines Niterói (Toei), Nippon (Shochiku), Tokyo (Toho) e Joia (Toho).

Em 1956, aproveitando o mercado cativo em Campo Grande, o sr. Fukuji Tomiyoshi visita as grandes produtoras nipônicas, com filiais em São Paulo e passa a alugar os celuloides. Aqui, num acerto com sr. Tarcísio Dal Farra , gerente regional da Empresa Peduti, torna-se locador das sextas-feiras do Cine Santa Helena. A programação tinha filmes mesclados para todos os gostos: samurais, drama, comédia musicada com os cantores Yuzo Kayama e Misora Hibari, muito populares na Terra do Sol Nascente. Alguns ótimos, outros nem tanto. A influência de filmes épicos nas produções brasileiras daquela época Filmes épicos de Akira Kurosawa influenciaram diretores de faroestes: “Os Sete Samurais” embasou “Sete Homens e um Destino”, do americano John Sturges e “Yojimbo, o Guarda-Costa”, no western italiano “Por um Punhado de Dólares”, de Sergio Leone. Outros cineastas entraram no nicho nipônico, em filmes como “Hiroshima, Meu Amor” (Alan Resnais), “Bem-Vindos ao Paraíso” (Alan Parker), “Cartas de Iwo Jima”(Clint Eastwood), “O Último Samurai” (Edward Zwick) e “O Silêncio” (Martin Scorsese).

Diretores brasileiros, como Carlos Reichenbach, Walter Hugo Khouri, Roberto Santos e outros, eram assíduos frequentadores das salas de cinema no Bairro da Liberdade na Capital paulista. A convivência étnica refletiu no cinema nacional produções de relacionamentos como: “Meu Japão Brasileiro” (direção de Glauco Mirko Laurelli, com os atores Mazzaropi e Geni Prado), “Gaijin –Os Caminhos da Liberdade e Gaijin– Ama-me Como Sou” (Tizuka Yamasaki) e “Corações Sujos” (Vicente Amorim).

Por aqui, o cineasta Candido da Fonseca sempre ressaltou a curiosidade nas lutas: “o samurai mocinho abatia os guerreiros do senhor feudal, um a um, numa fila ritualística” Para o amigo Jean Saliba, a lembrança vem outro motivo: a família era proprietária da Frutaria Califórnia, tradicional fornecedora de frutos importados e doces enlatados de qualidade, Jean era encarregado pelos irmãos mais velhos a manter as portas abertas da empresa até acabarem essas sessões especiais, numa época em que o comércio de Campo Grande nunca funcionava até tarde da noite. Ao final das projeções, nas saídas para as suas casas, os frequentadores se abasteciam, compravam de montão na esquina da Rua 14 de Julho com a Dom Aquino.

“Filmes japoneses davam um bom troco...” Hoje, parte dos frequentadores daquela sala de cinema, participam ativamente nas mostras anuais desses filmes no MIS – Museu da Imagem e do Som. Pela frequência, nota-se que a plateia vem aumentando gradativamente, como se a memória coletiva trouxesse esses saudosos momentos. A população das zonas rurais japonesas tinham programa marcado na data O menino jovem que queria ser mais velho *O autor é escritor e associado efetivo titular da cadeira nº06 do IHGMS O Brasil, na transição do Segundo Império à República, a intimidade da família imperial brasileira, em meio a intrigas, traições e melancolia é

a temática deste livro esclarecedor e obrigatório para quem pretende entender esse controvertido período da nossa história. É reveladora a disputa pela sucessão nos revela Pedro Augusto Bragança Saxe e Coburgo, um príncipe desencantado, fascinante e trágico. O livro de del Priore mostra que, se a proclamação da Republica não alterasse o curso da história, o Brasil teria d. Pedro III, como o terceiro imperador.

O jogador Garrincha no campo de futebol, como Carlitos nas telas, fez o mundo rir. O drama do ser humano, ídolo amado por uma mulher e por um povo inteiro, que foi destruído pelo vício implacável da bebida. A biografia desse herói é resultadode mais de 500 entrevistas com 170 pessoas que o autor Ruy Castro nos revela, tendo como pano de fundo, o Rio e o país dos anos 50 e 60. Trajetória comovente, ao mesmo tempo cheia de gloria e de momentos trágicos.

O respeito cultural aos antepassados contrasta com o perfil predador no exterior e desmistifica alguns estereótipos em “Os japoneses”. Pensamentos ocidentais de que a indústria japonesa nada cria, apenas copia e outras casos recorrentes. O objetivo da historiadora e antropóloga Célia Sakurai, neste livro, é mostrar de onde vêm essas imagens cristalizadas, a partir de um olhar sobre a história, desde a formação, passando pelo mito do milagre japonês e chegando até o Japão pop de hoje.

O livro sobre o poeta carioca do Estácio é um achado. O autor relata a migração do psiquiatra que largou a medicina para se tornar no letrista por excelência e aclamado por todos os críticos. Lembra Noel Rosa, como cronista do Rio. O requinte de suas perolas estão em “Amigo é pra essas coisas”, “Kid Cavaquinho”, “Resposta ao Tempo” e principalmente “O bêbado e o equilibrista”, o hino contra a ditadura militar. Mais de 450 letras desse grande poeta da Música Popular Brasileira estão na obra. Para quem curte letra e música, é imperdível.

Os Japoneses O Príncipe Maldito A Estrela Solitária Aldir Blanc – Resposta ao Tempo Autora: Mary Del Priore Editora: Objetiva R$ 57,90 Autora: Célia Sakurai Editora: Contexto R$ 45,50 Autor: Ruy Castro Editora: Cia das Letras R$ 63,90 Autor: Luiz Fernando Vianna Editora: Casa da Palavra R$ 55,00 Acervo IHGMS Samuel X. Medeiros

*O autor é engenheiro eletricista,

economista e associado efetivo titular

da cadeira nº5 do IHGMS.

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