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Três Lagoas, 28 de março

Macumba para turista

O cinema brasileiro não tem futuro. Vejo por aí gente comemorando a escolha de ?O Palhaço?, longa-metragem dirigido e protagonizado por Selton Mello, para representar o País na premiação do Oscar.

Por Redação
17/10/2010 • 10h24
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O cinema brasileiro não tem futuro. Vejo por aí gente comemorando a escolha de “O Palhaço”, longa-metragem dirigido e protagonizado por Selton Mello, para representar o País na premiação do Oscar. O coração verde-amarelo bate forte mais uma vez, embora o título do filme revele mais sobre nossa alma do que parece (ironia). Mesmo assim, não posso negar que “O Palhaço” seja amadoristicamente singelo e que nos enternece pela simplificação do roteiro. O filme é sub-sub: celebra nossa mentalidade subdesenvolvida e se vende como cinema humano de protesto. Não acrescenta nada para a reflexão séria do Brasil. No fundo, “O Palhaço” é macumba para turista.

Fico me perguntando se um dia alguns dos nossos cineastas e produtores embarcarão na realização de um filme sobre o mais relevante fato histórico do Brasil da última década: o mensalão, por exemplo, ou as peripécias do Governo Lula. Será que escrever um roteiro sobre estes assuntos, produzir e filmar toda essa trama (seja em ficção ou documentário, em vídeo ou cinemão, qualquer coisa...), revelando seus meandros, debater nossa política, questionar nossa leniência com a corrupção, nosso apego ao populismo, seria possível no Brasil?
 
A resposta é óbvia: não. E os motivos são mais óbvios ainda: sem patrocínio estatal aqui não se faz cinema. Propor a realização de um filme com essa temática nem passa pela cabeça de nossos bravos cineastas pela simples razão de que há um alinhamento fisiológico (esqueçam a questão ideológica) entre governo e cinema que não é permitido que se pense em algo que seja um pio com viés crítico.

Não gosto de fazer comparações, mas penso ser inimaginável que alguém cometa a ousadia de produzir filmes que retratem algo que ultrapasse o maniqueísmo das peripécias do Capitão Nascimento. Algo na linha de “Grande Demais para Quebrar” (Too Big to Fail), um telefilme norte-americano de 2011, dirigido por Curtis Hanson, baseado no livro do jornalista Andrew Ross Sorkin.

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Esse filme grandioso disseca a crise do subprime americano de 2008, dramatizando os momentos de tensão que houve no decorrer do esfarelamento da economia mundial, fazendo uma espécie de passo a passo para explicar (mesmo de maneira tendenciosa) o que aconteceu naqueles dias em que quase um trilhão de dólares foi transformado em pó e colocou a planeta numa barafunda sem fim.   
 
Outro filme sobre o mesmo assunto, que ganhou o Oscar de melhor documentário no ano passado, foi “Trabalho Interno” (Inside job), de Charles Ferguson, que revela um escândalo dentro de outros escândalos, e de como a ganância e a falta de regulamentação de uma economia liberalizada in extremis pode causar a infelicidade de milhares de pessoas, deixando-as sem perspectiva, falidas e desnorteadas. Este trabalho pode ser útil até para o público brasileiro que atualmente está acreditando que o mundo do consumo representa uma versão moderna do paraíso na terra.

O cinema é uma arte aberta que muitas vezes pode transformar fatos aparentemente complexos em narrativas iluminadas. Tanto do ponto de vista dos sentimentos humanos como do olhar referencial sobre acontecimentos históricos. Ao mesmo tempo produzir filmes é um negócio que custa caro e depende de extenso trabalho de equipe. Para fazer bons filmes, porém, é preciso ter noções claras de liberdade e de ousadia. Duas coisas que são praticamente impossíveis no Brasil por causa da hegemonia da ideia de que o Estado é Deus e a tudo determina.

(*) Dante Filho é jornalista em Campo Grande

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