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Três Lagoas, 18 de abril

Meraviglioso! O filme israelita, não o Terrence Malick

Por Redação
03/09/2012 • 14h30
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 É como espreitar pelo buraco de uma fechadura e dar de caras com os rostos de um mundo desconhecido, e naturalmente orgulhoso, saturado de cores, texturas e sussurros. E, com as vozes e os cantos, muito se avoluma na pequena janela de oportunidades. Do lado de lá está uma família da comunidade judaica ortodoxa de Telavive e o filme que nos faz experimentar essa descoberta é, ele próprio, uma surpresa da competição do Festival de Veneza: Fill the Void, de Rama Burshtein, uma mulher que tem passado a sua vida a ensinar e a filmar dentro da sua comunidade, promovendo o cinema como meio de expressão para os ortodoxos (mas Rama nasceu em Nova Iorque, em 1967). 


Realiza aqui a sua primeira longa-metragem de ficção, com uma delicadeza que torna tão rarefeitas as emoções que parece que assistimos a um mundo de outro mundo a nascer - é quente e luxuriante a "temperatura" da fotografia de Asaf Sudry. Se os rituais que vemos podem estar distantes do espectador ou ser incompreensíveis ou chocantes - tudo se passa no seio das negociações entre famílias para o casamento dos seus filhos -, Rama nada faz para justificar ou caucionar esse mundo. Ele apenas "é". Diz a cineasta que trabalhar sobre as relações entre os mundos religioso e secular israelitas, para eventualmente se estabelecer uma ponte entre eles, é uma agenda política que não lhe interessa . Para além de que não será operacional enquanto o mundo ortodoxo não se fizer ouvir e mostrar. 

Esta é, então, a história de Shira, 18 anos, que vê o "contrato-promessa" para o seu casamento ser anulado devido à morte da irmã durante o parto. A dor que assola a família faz adiar os preparativos, afastando no horizonte aquilo pelo que Shira ansiava. E de facto tudo muda: a morte de Esther deixou um viúvo, Yochay, com um bebé nas mãos e quando uma nova proposta de casamento chega a Yochay, vinda da Bélgica, a família receia que o recém-nascido seja levado para o estrangeiro. Manobras em marcha para tudo ficar em família: convencer Shira a "preencher o vazio" e a casar-se com o viúvo da irmã. O que Fill the Void mostra, fundamentalmente, é o sentimento a procurar espaço para nascer, ou para caber, entre os rituais, os cânticos e os tecidos. O que é uma aventura universal. Não deve querer dizer outra coisa o espantoso plano final (ou antes, a forma como a realizadora "corta" e termina o filme) no quarto, entre Yochay e Shira, que acedeu a "sacrificar-se" pela família: o olhar, a busca que ele enceta, o começo de algo que pode ser tremendo ou feliz para Shira, o que nunca saberemos.

Houve tempos em que a experiencia de um filme de Terrence Malick era, de facto, testemunhar um mundo a dar os seus gritos. Depois do redundante Tree of Life, liturgia que Malick organizou para celebrar o cinema de Malick, o que tanto encantou a Palma de Ouro de Cannes em 2011, agora é o puro kitsch em To the wonder, o primeiro de vários filmes na calha, já que, depois de raro, Terry torna-se prolífico, com mais dois filmes em pós-produção e outro em rodagem. To the wonder não tem nada que saber: a câmara como que a tentar apanhar borboletas à volta de Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel McAdams e Javier Bardem, fagulhas de poesia acesas pelas vozes, o amor de Deus a ordenar e o amor dos homens a vacilar, mudando como as nuvens (diz o padre Bardem). De facto, Affleck é um poço seco de emoções, Kurylenko, que ele conheceu em França e com quem sobe ao Monte Saint-Michel (subir "à maravilha"), e McAdams, velha conhecida de que se tinha esquecido, sofrem com isso. Filme com recorte autobiográfico, diz-se. 

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