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OPINIÃO

Função das vacas

Por Redação
30/12/2008 • 06h00
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A crise financeira mundial, cujos ventos não sopram com a mesma intensidade nos países afetados, serve como pretexto para reavaliar o processo de consumo desenfreado de bens e manejo de dinheiro que não existe. A abundância de créditos para a compra de carros e casas, para não falar de outros setores, gerou dívidas insustentáveis. Em seguida, veio a queda no consumo, a superprodução, as demissões. Os Estados Unidos estão em recessão e estima-se que a crise começou há mais de um ano, embora tenha explodido em setembro de 2008. Aos países mais atrasados, chegou o raio. O trovão ouve-se posteriormente.
Há muito tempo tem sido assim: os países mais desenvolvidos determinam, sugerem ou exigem que os demais juntem-se às mesmas práticas econômicas, porém não se importam que as condições de desenvolvimento sejam distintas. Entre outras tentativas de arregimentar vacas, cito a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), os Tratados de Livre Comércio (TLCs), e o Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Esta última se refere às negociações intencionalmente discretas que começaram em 1988 no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a fim de atribuir maior liberdade de ação e intervenção às empresas e ao capital de atuação global.
As negociações oficiais do AMI, contudo, começaram em maio de 1995 e tiveram como objetivo um processo de desregulação e liberalização da economia mundial. Embora elas tenham fracassado três anos depois, pouco mais de uma década atrás estivemos sob o risco de que se aprovasse um acordo nefasto pelo grupo constituído majoritariamente por países desenvolvidos, que logo viriam com suas sugestões à nossa instável América Latina. O AMI limitaria o poder dos Estados e daria sinal verde para as empresas multinacionais fazerem o que der vontade sem qualquer regulação do interesse público.
A proposta do AMI foi a de criação de um novo marco de investimentos: tratamento jurídico equivalente para investidores nacionais e estrangeiros; maior amplitude de investimentos; possibilidade de as empresas estrangeiras estabelecerem seus negócios como, onde e quando quiserem; a autonomia na decisão destas empresas; a circulação livre de capital; irrevogabilidade do acordo uma vez assinado; indenização por qualquer instabilidade que afete seus negócios num país. O acordo só não afetaria os setores de defesa e manutenção da ordem pública conforme consta nas negociações, o que parece uma mera formalidade.
Nunca é demais comentar sobre um acordo tido por fracassado, uma vez que os responsáveis pela proposta continuam discutindo-o em outras instâncias e organismos internacionais, como a Organização Mundial de Comércio (OMC). O Brasil tem que estar atento a como se move o mundo e em que direção para definir seus objetivos, aceitar ou recusar propostas de inserção na economia internacional. Os efeitos da crise atual ainda não chegaram completamente. O aviso é o de que nem tudo que é bom para eles é para nós. Entre fatos e ilusões, ainda não descobri se só querem ordenhar as vacas ou também mamar nelas.


Bruno Peron Loureiro é analista de relações internacionais e latino-americanista

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