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Loja do vassoureiro

Por Redação
10/01/2009 • 06h20
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Havia uma loja a meio quarteirão de onde eu morava que era modesta, pequena, usava um espaço improvisado para vender objetos de baixo valor e uso corriqueiro. Lembro-me de que, sempre que me aproximava de lá, estava um senhor sentado num banquinho, próximo da parede, esperando com paciência pelo próximo cliente. Era um lugar com que se podia contar caso a vizinhança precisasse de algum produto e não quisesse enfrentar o supermercado para isso. Atendia a uma necessidade do bairro. Era conhecida como a loja do vassoureiro.
Este tipo de estabelecimento comercial tinha sua razão de ser: surgiu de um cidadão comum e de uma necessidade local. Dava uma resposta comercial sem deixar de atender a um vínculo afetivo com o bairro e os vizinhos. E por falar de comércio, estamos passando por um processo de condicionamento mental sem precedentes com o poder mundial dos Estados Unidos e a indústria cultural que este país dissemina através dos filmes, da música e da programação televisiva, que têm no encanto pela tecnologia o seu principal cúmplice entre os receptores.
Depois da aeroespacial e militar, os Estados Unidos sacam sua maior fonte de renda da indústria audiovisual. Explica-se porque as nossas video-locadoras concentram filmes estadunidenses em quase todas as estantes, dão pouca atenção aos produtos de países latino-americanos, asiáticos e europeus, e chegam a colocar filmes brasileiros em seções de “alternativos” ou “estrangeiros”. Minha cautela em ver filmes estadunidenses dobrou depois que assisti a “O Nevoeiro (The Mist)” e notei uma crítica implícita aos discursos do ex-presidente cubano Fidel Castro no roteiro do filme. A mensagem poderia ter sido contra qualquer outro governante a que os Estados Unidos se opõem.
Achei uma covardia inserir uma crítica política desta maneira quando tudo o que o público espera é divertir-se e não é a primeira vez que me dou conta disso. Há muito tempo os Estados Unidos nos inebriam com seus artifícios estratégicos nos produtos culturais. Para não falar da infinidade de escolas de inglês nas nossas cidades, que são encravamentos imperiais sob consentimento. É praticamente uma obrigação que aprendamos este idioma, ao passo que eles negligenciam o português. O ponto a que quero chegar é que o Brasil carece de políticas consistentes para o audiovisual e outros de seus produtos culturais.
É como se as políticas continuassem sendo elaboradas para o videocassete quando os filmes têm sido vistos em DVD ou “Blu Ray”. É pequena a quantidade de nossa produção audiovisual que chega aos televisores e aparelhos de som de outros países, a difusão da língua portuguesa no exterior é irrisória, sem contar que o Brasil é estereotipado pela inércia de nossa diplomacia cultural. A situação só não está tão ruim no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), mas ainda os vizinhos se conhecem pouco. Os intercâmbios entre os países são muito desiguais e sobra para os cidadãos brasileiros tragarmos isso.
Já estava esquecendo da loja do vassoureiro. Gostava daquele lugar. Lá buscava linha de pipa, bonecos dos Cavaleiros do Zodíaco, produtos de limpeza quando alguém de casa pedia. E as vassouras? Comprava no supermercado em frente.


Bruno Peron Loureiro é bacharel em relações internacionais

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