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Mandato sem liturgia

Confira o editorial do Jornal do Povo, na edição que circula neste sábado (4)

Por Redação
04/06/2016 • 09h20
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Deveria ser regra geral para aqueles que se encontram  investidos em mandato popular a observância de conduta respeitosa e compatível com o exercício do cargo em suas  manifestações, aliás, próprias do exercício da atividade no plenário onde se encontram expondo ideias e defendendo propostas legislativas e pontos de vistas. É próprio do parlamento o debate acalorado. Mas, inaceitável é a falta de postura, que revela falta de trato com o próximo, comedimento e recato. Não há de se confundir defesa intransigente sobre determinado ponto de vista feita de maneira enérgica e veemente com uma atabalhoada e mal educada conduta, que visa fazer valer pelo grito e pela força ideias e propostas que estão na pauta da discussão.

Infelizmente, alguns integrantes da Câmara Federal e do Senado da República não tem observado no plenário onde têm assento, como nas Comissões de suas respectivas Casas, quando discutem matérias ou processamentos legislativos que estão em pauta, para cumprir o rito legislativo de  encaminhamento para votação  de maneira  elevada, respeitosa e compatível com o exercício que a função exige. Nesta semana que finda, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, registrou-se manifestação nunca vista e em desacordo com o respeito devido a essas duas Casas legislativas. 

Na última terça-feira, um grupo de defensoras do agravamento da pena que deve ser imposta a autores de estupro, empunhando um megafone, acolitadas por deputadas e senadoras, insistiam em ingressar nos plenários da Câmara e do Senado para manifestar posição pela aprovação de proposta que se encontrava em pauta no Senado para votação. Aos gritos e de maneira até histérica, além de encontrarem o apoio de várias parlamentares, que antecipadamente sabiam que o projeto de lei seria aprovado por unanimidade, forçaram  o seu ingresso no Plenário durante sessão que transcorria no Senado, que não prevê o acesso de pessoas descredenciadas durante sessões deliberativas. 

Diante da histeria que era enorme, lideradas por uma senadora do Amazonas, habilmente, o presidente do Senado, para não contrariar disposição regimental, deliberou em suspender a sessão por dez minutos para ouvi-las e tirar fotos para registrar o acontecimento na expressão exata e como quis a senadora amazonense. A turba, sem megafone, ingressou no plenário do Senado para satisfazer os seus próprios instintos, porque a proposta antecipadamente a votação já havia sido anunciada pelas lideranças partidárias de que seria aprovada. 

Essa cena, nem na época da Assembleia Nacional Constituinte ocorreu. Nunca se viu, quando eram inumeráveis os grupos de defesa de temas e propostas que eram discutidas, conduta tão exasperada e incompatível com o nível de educação que se deve observar na sede do Poder Legislativo da República. Esse fato remete a várias constatações, entre elas: que o nível e qualidade do exercício do mandato decaiu, porque exercido por pessoas, senão desqualificadas, pelo menos despreparadas para seu exercício, as quais, naturalmente e sem qualquer constrangimento, agem como no exercício da razão, além de considerarem suas manifestações tão normais, quanto aquelas que desrespeitam regras e condutas estabelecidas para pessoas civilizadas e educadas. 

É extremamente triste constatar o quanto decaiu o exercício do mandato popular qualitativamente e intelectualmente. Certamente, assim verificamos porque repentinamente, no último decênio elevadas funções na República foram exercidas por pessoas despreparadas que apregoaram que pouco importava a formação escolar ou diploma para quem quer fosse exercer um múnus público que exige preparo, conduta ética e moral para responder às aspirações do povo. 

Deixaram de lado a organização de um governo com  ações voltadas para o interesse público. Pouco se importaram com a construção de um projeto verdadeiro que estabelecendo a melhoria e elevação da qualidade de vida do povo que representaram. O propósito era o da consolidação de um projeto que aparelha o partido através do uso e do abuso da administração pública, ou seja, do próprio Estado. Escreveram a mais sórdida e podre fase da história republicana que o país vive, disseminando a corrupção que campeia em todos os setores da administração pública, proporcionando a evasão do dinheiro público que saiu  pelo ralo para chegar em paraísos fiscais e em contas ocultas pelo mundo afora.  Salta aos olhos a conduta das manifestantes da última terça-feira nas dependências do Congresso Nacional. 

O projeto de lei que agrava a conduta animal de um estuprador e que agrava a pena para aqueles que o praticam coletivamente, estava com a aprovação antecipadamente anunciada. Portanto, é lamentável que parlamentares no afã de ganhar simpatias e votos coloquem de lado a liturgia do mandato, a educação e o foro de civilidade que deve ser observado no parlamento. Condutas como as que se registram dia após dia nas discussões e votações do Congresso Nacional sinalizam que se não estamos irremediavelmente perdidos, pelo menos tarda uma reforma política que devolva à vida pública do país gente de bem ou revele novas vocações para o exercício criterioso e sério do mandato popular. 

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