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Mudanças de horário X relógio biológico

Por Redação
29/11/2008 • 06h00
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O horário de verão é uma estratégia que consiste em adiantar o relógio em uma ou mais horas, adaptando as atividades humanas às horas de luz. Foi implantado pela primeira vez na Alemanha, em 1916, visando economia de energia e em 1931, no Brasil, por Getúlio Vargas. Desde 1998 vem sendo aplicado, atualmente restrito aos estados do centro-oeste, sul e sudeste. Análises de dados indicam que a economia real de energia ocorre em países não tropicais, onde as mudanças na luminosidade são acentuadas entre as estações do ano. No Brasil, é condição existente apenas nos estados do sul. Conforme o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a adoção do horário de verão, mais que economizar energia, serve para evitar a sobrecarga de gasto energético no sistema ao final do dia, quando voltamos para casa e ligamos aparelhos elétricos. Fazendo isso ainda com a luz do dia, esse pico ocorreria antes do segundo, ao acender as luzes, resultando em uma distribuição mais segura.
Além das duas mudanças anuais no horário, está em tramitação a proposta de mudança do fuso horário nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, alinhando-os ao horário de Brasília. A proposta, já aprovada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, é justificada pelos prejuízos que a diferença de horário estaria causando à atividade industrial e às emissoras de televisão, que teriam mais dificuldade em ajustar sua programação às leis vigentes.
Assim, ao que tudo indica, teremos uma alteração definitiva no relógio. No fuso atual, considerando o horário solar, acordamos com alguma claridade e saímos para o trabalho/escola antes das sete horas; no de verão, antes das seis. Com a mudança de fuso, sairemos também antes das seis e, no de verão, antes das cinco. Ou seja: ano que vem, de outubro a março, a não ser que mudemos todos os horários que sempre praticamos, estaremos acordando às quatro horas da manhã, mas estará garantido que o sistema político-financeiro funcionará sem nenhum contratempo.
 Estudos efetuados em vários países relacionam mudanças de horário a diversos distúrbios, como aumento de estresse, alterações de humor e digestivas, deficiência de atenção, insônia e infartos, sobretudo nos primeiros dias após as mudanças. Isso acontece pela dificuldade do organismo em se adequar à nova situação, pois o horário solar, regulador das atividades biológicas, não coincide com o outro, artificial. Nosso relógio biológico regula diversas atividades internas do corpo ao longo de um ciclo de 24 horas e é ajustado pela luz. Enquanto regula o sono, é também por ele regulado, criando um circuito complexo e importante para nossa vida: alterações na luz afetam o relógio interno, que altera, entre outras coisas, nosso sono, que por sua vez contribui para desregular esse mesmo relógio e as funções que ele regula.
Em minha infância de fazenda, à luz das lamparinas, era a luz solar quem determinava os horários das atividades. A percepção da passagem do ano se dava pelas mudanças do sol, do clima, da cor da paisagem, e os ritmos eram mais naturais, integrados ao meio ambiente. Talvez daí a dificuldade para aceitar como “normal” a imposição do financeiro sobre o biológico, que contribui para nos distanciar ainda mais de nossa natureza animal, forjada ao longo de milhares de anos – humana, sem dúvida, mas ainda assim animal.
 Com tão profundo alcance, tal proposta mereceria, no mínimo, ser submetida a uma consulta popular. Até porque nem todos os eleitores têm a mesma visão e interesse em tais mudanças.

Maria José Alencar Vilela é do Curso de Ciências Biológicas da UFMS/Campus de Três Lagoas

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